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Por Matheus Silveira Lima – Toda a sequência de fatos, ideias, debates, prazos e adiamentos são sobejamente conhecidos sobre as eleições em curso para reitor da UESB. Resta, no tempo que ainda falta, delimitar algumas ideias que circulam sobre o contexto financeiro e político da instituição, que nortearão a direção dos votantes no sentido de uma das chapas. Da parte da chapa da reitoria, a crise está aí e o reitor a jogou no colo do governo do Estado. Se a operação de terceirização de responsabilidades vai colar, só a abertura das urnas dirá.

Quanto ao contexto político, ocupa o primeiro plano de preocupações de uma das chapas de oposição, que tem à sua frente os professores Itamar e Cândido, a ideia de que o “voto universal” é o fundamento de uma universidade nova, representativa e de excelência acadêmica. O tema merece, portanto, um exame um pouco mais demorado, a partir do qual possamos tirar algumas conclusões.

A chapa do reitor Paulo Roberto apóia a forma atual de eleições, com voto paritário (um terço de votos para cada categoria: professores, funcionários e estudantes) com o adendo de que os funcionários nomeados livremente pelo reitor, portanto sem concurso, podem votar. E votarão nesta eleição. O reitorável Paulo Cairo se posicionou no debate com o engenhoso tema da ampliação da representação de funcionários e estudantes no CONSU, órgão colegiado da UESB, e lá a comunidade acadêmica pode decidir qual modelo de eleição lhe é mais conveniente.

Há diversos métodos para se realizar uma eleição para reitor. No caso das estaduais paulistas, USP e UNESP especialmente, vigora um modelo em que os professores constituem, respectivamente, 86% e 70% do colégio eleitoral. O outro, mais habitual, e utilizado pela UESB e que é reconhecido como legítimo pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, o ANDES-SN, é o voto paritário, em que cada uma das categorias assegura para si a mesma proporção de votos, o que determina que qualquer candidato que queira ser vencedor tenha trânsito e consiga dialogar com todas as categorias e portanto mediar seu projeto de gestão tocando em temas sensíveis a toda a comunidade acadêmica. É o meio mais democrático, muito embora tenha o demérito de estabelecer distorções numéricas, como o voto de um funcionário chegar a valer o dobro do voto de um professor e até 15 a 20 vezes mais que o voto de um estudante.

Finalmente o voto universal: um escrutínio que não delimita proporções e que estabelece que cada membro da comunidade acadêmica, seja professor, funcionário ou estudante, vale um voto. No caso de UESB, que tem cerca de 500 funcionários, 1.100 professores e cerca de 10.000 alunos, o peso do voto do corpo discente pode atingir até 85% dos votantes, reduzindo drasticamente o peso do voto de funcionários e professores, que passariam, portanto, a ser irrelevantes na decisão sobre os rumos da instituição.

Parece democrático, mas certamente não é! E nesse caso é preciso recorrer à história para entender. Todo país que ostenta uma democracia moderna teve que ler “O espírito da leis”, de Montesquieu, e entender, sem atalhos, que o equilíbrio dos três poderes (executivo, judiciário e legislativo) é o fundamento sobre o qual haverá fiscalização e regulamentação mútua para se evitar a tirania e os excessos de um governante, mesmo que eleito pela maioria. O recurso do impeachment do presidente pelo legislativo, o qual o Brasil já utilizou, é prova inequívoca do bom funcionamento do modelo.

Nessa linha, cabe observar que o voto universal é aplicado na eleição de presidente, mas para a composição do poder legislativo não. No poder judiciário então, nem pensar. No caso do Legislativo, existe a bicameralidade, com a Câmara dos Deputados funcionando com representantes de todos os estados da federação, numa proporção que vai de 8 a 70 deputados por cada estado, cabendo distorções, como a de que o voto do eleitor de Roraima vale até onze vezes mais do que o do eleitor de São Paulo. No senado, cada unidade federativa elege 3 senadores e a desporporção aumenta ainda mais. É que mais que o eleitor, o senado representa o equilíbrio da federação, evitando que alguns estados possam cercear direitos dos demais. O caso da divisão do royalties do petróleo mostrou a eficiência do modelo bicameral, quando houve divergências enormes entre os estados da federação e o tema conseguiu atingir consensos mínimos no Senado com o direito dos estados menores sendo respeitados.

Voltando as eleições da UESB, onde o tema é sempre colocado de maneira superficial e descontextualizada, é preciso notar que a instituição é gerida pelo reitor, que assume a quase totalidade das ações e da aplicação do orçamento, estabelecendo as prioridades de sua gestão. Nesse sentido, uma mudança no modelo de votação, em que os alunos tenham um peso de 85% ou mais dos votos levaria primeiramente à seguinte pressuposição: a campanha ganha contornos de eleição de massas e quem investir mais dinheiro, possivelmente terá mais votos, como ocorre em uma eleição comum. A segunda questão: ganhará o candidato a reitor que falar mais diretamente ao interesse dos alunos, haja vista que passa a ser quase desprezível o peso da participação de professores e funcionários. A terceira questão: o número de candidatos aumenta exponencialmente, uma vez que diferente do modelo paritário, qualquer candidato pode ganhar a eleição, mesmos não tendo trânsito entre as outras duas categorias. Nesse cenário, com seis, sete ou até mais candidatos, o voto se pulveriza e um candidato que tiver maioria simples, atraindo de 20% a 25% dos votos dos alunos, pode sim ganhar as eleições.

O problema está exatamente aí: um candidato que resolva lançar seu nome apelando exclusivamente aos votos dos alunos e com ataques frontais a direitos e conquistas de funcionários e professores, manejando a idéia batida de que funcionário público não trabalha, que só enrola, tem sim chances reais de atrair uma parte importante do eleitorado mais conservador e, eleito, fazer uma gestão intransigente e tumultuada, com achaques aos colegas e corte de benefícios conquistados com muita luta.

Um cenário de crise institucional, paralisações e greves como resultado de um processo eleitoral que desconsidere as particularidades da cada um dos três segmentos eleitorais, torna-se real. Se isso é democracia, o equilíbrio dos poderes é de fato uma falácia e, portanto, cabe abandoná-lo para em seu lugar assumir um modelo de plebiscito constante e generalizado.

Há que se observar, entretanto, que os votos dos alunos está subestimado e valer apenas 1/17 do voto de um funcionário não tem sido uma experiência saudável nas últimas eleições da UESB. Reduzir, via voto universal, o funcionário a 5 ou 6% do peso eleitoral tampouco será. Caso venha a se confirmar mesmo a vitória eleitoral do austero e sempre acessível Prof. Paulo Cairo, com um CONSU (o parlamento da UESB) renovado e ampliado, é possível apresentar um estudo minucioso ao novo reitor com a seguinte proporcionalidade: voto paritário com metade do peso dos votos vindo dos estudantes e a outra metade, indistintamente, vindo dos servidores. Nessa categoria de servidores entram funcionários efetivos e professores efetivos e substitutos votando juntos e tendo o mesmo peso de um voto para cada servidor no campo dos 50% que lhes cabe. Seria educativo, inclusive, dirimir nas eleições essa distinção entre funcionários e docentes, haja vista que o professor é também um funcionário da universidade. Muito pessoalmente convivo e vejo os funcionários como meus colegas de trabalho, que partilham de um ethos parecido e enfrentam dificuldades semelhantes na lida diária da construção do ensino superior. Sofremos as mesmas agruras impostas pelo governo do estado e o corte de verbas nos atinge igualmente.

Creio que aprovado esse modelo, nos precaveríamos de ter um candidato eleito por apenas uma categoria, mas ao mesmo tempo a instituição receberia a necessária lufada de ar fresco que o idealismo e o compromisso da maior parte dos estudantes poderia oferecer na eleição para reitor. O resto, para mim é só artifício de quem quer ganhar todos os votos dos estudantes prometendo-lhes o que talvez nem os próprios estudantes queiram: decidir sozinhos como e quem deve gerir a universidade. Talvez eles mesmos saibam dos riscos de aparecer um candidato voluntarista, com um discurso fascista, contra professores, contra funcionários, ou com um discurso extremista contra cotas étnicas e sociais, por exemplo. Para isso precisará, talvez, receber seus 20 a 25% de votos e ganhar a parada.

Como se pode notar, o caso exige muita reflexão.

Matheus Silveira Lima (36), mestre em Ciência Política e Doutor em Sociologia é professor da UESB desde 2004 e autor dos livros “Um estudo da ordem privada” (2011) e “Portugal e o iberismo no pensamento brasileiro” (2014). 

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